quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A Coincidência dos Opostos


Por Mariana Montenegro Martins


Era uma vez, e não era uma vez, um ambientalista num tempo em que ambientalistas ainda não existiam. Esse homem, um sábio de origem aristocrata, viveu por volta de 500 anos a.c. Heráclito de Éfeso, também conhecido como o “obscuro”, é situado na história como um filósofo pré-socrático, pertencente a uma tradição que considerava o mundo como um só grande espírito a pensar e a ser pensado.

Tudo o que restou dos pré-socráticos foram fragmentos, e as pesquisas apenas apontam possibilidades interpretativas. O leitor tem a liberdade de adentrar este rio de pensamentos e pensar junto, levando em conta, como Heráclito, que não é possível tomar banho duas vezes no mesmo rio sem que nos transformemos mutuamente.
O que aproxima esse filósofo da natureza de um ambientalista moderno está na origem do seu pensamento. Está na sua visão de mundo não dicotomizada, onde os opostos são reconciliáveis e coincidem entre si. Dizia ele: “O contrário em tensão é convergente; da divergência dos contrários, a mais bela harmonia” (CARNEIRO, 1980:49).
O paradigma moderno hegemônico é exatamente opositivo. Baseia-se na visão dicotômica e inconciliável, portanto trágica, geradora de uma crise civilizatória e planetária. No entanto, esta mesma crise pressagia a mudança, que nada escapa, à qual todo o universo está condicionado.
O cosmos evolui continuamente, num eterno vir a ser. Todo o universo se expande em galáxias, nebulosas, cometas, estrelas e sistemas solares, em uma constante evolução. No mundo dos seres humanos não poderia ser diferente. Ainda que estes não queiram participar da grande marcha cósmica, ela segue. Apesar de comermos da mesma carne que desmata a Amazônia e polui os rios, seguimos em frente.
O ambientalismo entra em contato com a filosofia perene, que sempre existiu observando o funcionamento do universo e suas leis. Os humanos ao mesmo tempo que estão estacionados numa forma de vida insustentável e não vêem esperança no porvir, estão voltando-se para a consciência universal, para o mundo dos arquétipos, há pelo menos 2500 anos. Como dizia Heráclito: “Se não é a mim, mas ao Logos, que vós escutais, é sensato reconhecer que tudo é um”. ( BRUN, 1968:42)
O que interessava ao filósofo de Éfeso, e que interessa ao ambientalismo, em correntes como a Ecologia Profunda, é a reciprocidade da experiência entre sujeito e objeto, entre observador e observado, que conduz a compreensão de uma teia da vida. Em nossa leitura o ser é um vir a ser que vive num jogo de ser e não ser. Como alguém que sabe brincar. Ou como rochas em colisão. E é esta mesma colisão que será encontrada no centro de toda a harmonia.
A realidade de que fala Heráclito é por natureza mutável e sempre paradoxal. A cultura judaico-cristã-cientificista habituou-se a idéia de sujeito e objeto em separado, mas esta idéia não se aplica nem ao pensamento de Heráclito, nem ao pensamento ambientalista. O que se aplica aqui é a visão recíproca e inter-relacional.
As relações pragmáticas estabelecidas com a natureza chegaram ao limite. A natureza se mostra cansada, degenerada, colapsada. O comportamento humano predatório determinou uma relação no mínimo cruel com a natureza, e sua crueldade querendo ou não encontrará reciprocidade. Pois a natureza é um organismo vivo, e como tal, responde.
Mas há possibilidade de reconciliação com o ambiente. A harmonia acontece é no tocar simultâneo de diferentes notas. Na percepção da coincidência dos opostos. O ser humano pode sim, depois de tanta luta, se reintegrar novamente à natureza. Não há culpa a se alimentar, há que se aprender com este projeto separatista-individualista-materialista. Que ambos sairão transformados, homem e rio, não há dúvida.

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